A economia brasileira enfrenta o fim de um ciclo de crescimento baseado em crédito abundante, exportações crescentes e políticas assistencialistas. Infelizmente, o país não aproveitou sua década de prosperidade para investir no que certamente garantiria nossa prosperidade a longo prazo: educação, infra-estrutura e tecnologia. Agora, com o encerramento deste ciclo, a maior parte dos empresários se pergunta o que irá acontece com o mercado das classes C e D (que explodiu em anos recentes), com a venda de artigos de maior valor unitário (largamente dependente de crédito) e com o crescimento do consumo como um todo.

Muitos economistas buscam respostas a estas perguntas. Este blog caminha em outra direção e se pergunta quais são as tendências de consumo de longo prazo que se cristalizaram neste período e para as quais não existe nenhuma perspectiva de reversão. Em outras palavras, que oportunidades se abrem para o varejo, independentemente das oscilações econômicas de curto prazo.

Há um estudo atualizado anualmente pela empresa de pesquisa Macroplan, do Rio de Janeiro, que busca identificar estas tendências. A edição deste ano do estudo, disponível para consulta na internet, identifica 10 tendências que vieram para ficar. O texto a seguir incorpora comentários e análises da D.D Consultoria nas tendências  originalmente mapeadas pela Macroplan.

  • Consumo prático: Cerca de 12% dos domicílios brasileiros são habitados por uma única pessoa, praticamente o dobro do existente no ano 2000. O número absoluto de pessoas morando sozinhas tende a continuar aumentando nas próximas décadas. Porções individuais, elevada praticidade e serviços de conveniência são cada vez mais adequadas a esse segmento. Deve-se também esperar desse consumidor menos tempo de permanência no domicílio e mais vida social e esportiva
  • Consumo +60: daqui menos de duas décadas o número de pessoas com mais de 60 anos terá passado dos atuais 20 milhões para 40 milhões de pessoas. Pessoas com mais idade tendem a consumir produtos alimentícios mais saudáveis, gastam mais com saúde, medicamentos e turismo, despendem bastante tempo com entretenimento e, na média, provavelmente viverão até os 80 anos. A infra-estrutura de loja precisa ser adaptada, evitando luzes, sons e espelhos em demasia, bem como escadas e objetos que interfiram na passagem. Se o chão de loja permitir, instalar banquinhos para breves períodos de descanso contribuirá para aumentar o tempo de permanência do consumidor na loja.
  • Consumo exigente: à medida em que a sociedade brasileira vai amadurecendo, aumentam os requisitos por diversos atributos dos produtos consumidos, incluindo sua origem, atendimento a padrões mínimos de qualidade, atendimento à todas as exigências legais e normas técnicas, laudos independentes de performance, etc. Alguns desses atributos se estendem ao ponto de venda. Aumento de padrão de exigência é algo com que convivemos diariamente desde sempre. O importante é oferecer uma resposta rápida às exigências ou reclamações dos consumidores. Há uma parcela crescente do público que leva esses quesitos em consideração na hora de escolher o varejista
  • Consumo responsável: sustentabilidade ainda é assunto restrito a uma parcela mais esclarecida e antenada do público consumidor. Mas o tema é importante e deverá ganhar cada vez mais relevância. Sustentabilidade é um daqueles assuntos onde o consumidor se torna consciente em função da própria movimentação dos fabricantes e varejistas, bem como da mídia. Seja por conta de maior educação do consumidor, seja para acompanhar as ações da concorrência, procure destacar atributos de sustentabilidade de seu negócio ou dos produtos que você vende. Pequenas ações, como instalar um sistema de iluminação econômica na loja, poderão impactar positivamente na imagem da empresa.
  • Consumo saudável: é visível o aumento da preocupação com um padrão de vida saudável, que se reflete em diferentes hábitos de vida. Não só deve crescer a demanda por produtos com baixas calorias, gorduras, aditivos e conservantes industriais, como todo um modelo de vida outdoor deve ganhar corpo, explorando o clima favorável de boa parte do país e a inevitável troca do automóvel pela bicicleta.
  • Consumo online: já bastante debatido, o consumo online continua crescendo a taxas de dois dígitos e agora se prepara para tirar proveito do celular e dos tablets. Conciliar o varejo online com o varejo offline é o grande desafio dos próximos anos.
  • Consumo precoce: oitenta por cento das crianças brasileiras influenciam, em alguma extensão, as decisões de compra dos pais. Essa tendência é universal. Nos EUA, a publicidade dirigida à criança aumentou 170 vezes em 25 anos. As crianças procuram e tem acesso a um volume inimaginável de informação, formando opinião e gerando demanda em idades cada vez mais precoces. Não é incomum ver pais e mães, dentro das lojas, mudarem sua decisão de compra após escutarem os filhos. Varejistas que tem como público alvo adultos na faixa dos 30 a 40 anos com filhos pequenos a tiracolo devem ter em conta que a comunicação de ponto de venda e a publicidade precisarão atingir todo o núcleo familiar para serem eficazes.
  • Consumo em nichos: segmentação de mercado  é um conceito antigo de marketing e naturalmente praticado por todos os varejistas. A diferença agora é que diversos nichos específicos de consumidores, antigamente pequenos em tamanho ou de baixíssima visibilidade, ganharam expressão econômica. Aqui se incluem os nichos religiosos, sexuais e étnicos. E também os menos polêmicos nichos de apreciadores da natureza, ex-fumantes, migrantes, pessoas com sobre-peso, cultuadores de novelas, etc. O consumidor de nicho se sente valorizado e tende não apenas a gastar mais como reconhece valor no varejo especializado, permitindo ao varejista capturar esse valor na forma de margens de lucro mais altas. Uma sociedade que enriquece tende a gerar cada vez mais mercados de nicho.
  • Consumo exclusivo: o mercado do luxo é específico e cheio de armadilhas. Não é nada fácil conquistar esse tipo de consumidor. Mas, mesmo aqui, há segmentos. O rico tradicional, de família antiga, tem um perfil de consumo bastante diferente do novo rico ou do rico de baixo grau de instrução. Seja como for, da mesma forma que se criou um mercado de classe média com pessoas que subiram na pirâmide social vindos das classes D e E, o segmento da Classe A também foi alimentado por pessoas que migraram da classe B. Esse movimento ascencional alimentou as aspirações pelo consumo de artigos mais sofisticados e o mercado do luxo vai muito bem no Brasil, sem sinais de que possa perder ímpeto nos próximos anos.
  • Consumo de baixa renda: aqui temos o problema. Trinta milhões de pessoas subiram das classes D e E para as classes imediatamente superiores. Toda essa tropa entrou no mercado buscando tanto de bens de consumo imediato quanto bens duráveis. O crédito ajudou e as vendas de eletrodomésticos e automóveis, por exemplo, bateram recordes históricos. Quantos conseguirão manter seu novo perfil de consumo caso a recessão atual se aprofunde? Esse segmento de consumidores é extremamente heterogêneo. Inclui desde famílias cujos membros obtiveram melhores empregos graças à escassez de mão de obra até informais da periferia que prosperaram em seus micro-negócios. É completamente impossível avaliar, com um mínimo de precisão, o que acontecerá nos próximos 20 anos com este segmento de consumidores. Do pouco que se pode prever, é de se destacar o caráter utilitarista que as pessoas dão ao consumo (ou seja, privilegia-se a melhor relação custo-benefício), a atenção a casa (tanto o imóvel quanto os equipamentos domiciliares), melhoria nos cuidados pessoais e, principalmente, melhor alimentação. É um consumidor arredio também. Ao menor sinal de risco de perda de emprego ou queda de renda, preferirá adiar o consumo e guardar o dinheiro. Resta saber o que acontecerá com o tradicional carnê. A inadimplência vem aumentando fortemente no país, tornado os concessores de crédito muito seletivos. Curiosamente, os mais pobres costumam ser os menos caloteiros, já que restrições ao seu nome podem lhe causar prejuízos significativos. Ainda assim, o desemprego ceifa a renda e impede o cumprimento das obrigações. Ninguém sabe o tamanho do ajuste que este país precisará passar nos próximos anos, e nem se o governo atual deseja fazê-lo. Diz um velho ditado que é melhor um fim terrível que um terror sem fim. Esperemos que o nosso governo, em suas várias instâncias, pense da mesma forma.