Recentemente um amigo, dono de um renomado instituto de pesquisa, me fez uma pergunta provocativa. Segundo ele, os dados do Critério Brasil apontam que 25% da população brasileira pertencem às classes A, B1 e B2. Portanto, 3 de cada 4 brasileiros é de classe C, D ou E. A pergunta dele foi: você acha que um sujeito que mal está conseguindo colocar comida na mesa vai deixar de comprar feijão ou margarina mais barato porque o fabricante não atende critérios ESG, de responsabilidade social ou qualquer outro?

Tentei argumentar que há uma forte pressão social pelo ESG mas o contra-argumento foi poderoso: todas as pesquisas que seu instituto faz (principalmente para supermercadistas e fabricantes de bens de consumo) indicam que as pessoas são sensíveis apenas a preço e qualidade, exceto o grupo minoritário das classes A e B, que expressa outras preocupações.

Não estou questionando a relevância de se atentar para questões sociais, de meio ambiente e governança. Estou refletindo sobre o quanto o grosso da população brasileira está realmente preocupada com uma sigla em inglês. E o quanto estará na próxima década dado que não há qualquer possibilidade real da economia brasileira voltar a crescer a taxas elevadas, o que é um pré-requisito para qualquer política efetiva de distribuição de renda

O renomado professor de Harvard, Ricardo Hausmann, publicou recentemente um artigo onde afirma que o ESG é “é apenas uma expressão dos valores e prioridades pós-modernos do mundo rico”. Indo além, Hausmann menciona o falecido professor John Ruggie (também de Harvard) que afirmava que as corporações têm interesse em adotar os valores de seus stakeholders como a melhor expressão dos direitos humanos. Não satisfeito, Hausmann afirma que nada na estrutura ESG favoreceria explicitamente os tipos de investimentos necessários para ajudar a fechar as enormes lacunas de renda e bem-estar que separam os países pobres das economias avançadas

É importante notar que, nos países desenvolvidos, a grande preocupação está no meio ambiente e nas regras de governança. Os problemas sociais daquelas sociedades já foram extensivamente atacados e bastante equacionados. Já em países como o Brasil, o ESG tem sido visto como uma forma das empresas ocuparem o espaço deixado vago pelo governo nas questões sociais. Embora haja alguma preocupação com o meio ambiente e governança, as pesquisas mostram que as pessoas de todas as classes sociais entendem como sendo responsabilidade das empresas muito daquilo que o Estado deveria estar fazendo

Há anos que as empresas tem sido demandadas a complementar as ações governamentais, seja na educação, no provimento de serviços de saúde a alimentação, no transporte, no atendimento familiar e em muitos outros campos. O ESG só fez aumentar ainda mais estas pressões. Entender até onde vai a responsabilidade social da empresa e onde começa a substituição do Estado é um exercício que toda organização deveria fazer

O artigo original do professor Ricardo Hausmann pode ser lido aqui

Fabio Nogueira é economista pela FEA-USP, com MBA pela Hult Institute, Boston / EUA. É sócio-diretor da Prosperidae Consultoria, Vice-Presidente da ADVB – Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil, diretor do Instituto Brasileiro de Lideres, fundador do Observatório da Longevidade e Conselheiro do Projeto Almaroma de inserção de PcDs no mercado profissional