A mídia publica incessantemente matérias sobre franquias e franqueados. Quase sempre, o enfoque é no franqueado. Em outras palavras, a mídia de negócios procura ajudar o potencial investidor a escolher uma franquia.
O que nos interessa neste blog é o outro lado da moeda: é interessante franquear o negócio? Eu tive essa experiência no passado recente e posso garantir que há riscos elevados com franquia. E outra, franquia só dá dinheiro depois que você conseguiu montar uma rede grande.
Vamos por partes. Primeiro, é impossível franquear um modelo de negócios que não esteja consolidado. O negócio precisa estar dando certo para ser possível convencer alguém a investir; e também para que seja possível você dizer a seu franqueado como tocar a franquia dele. Alguém dirá que surgem franquias do nada o tempo todo. Sim, surgem. Há oportunismo no mercado. Existem investidores que se especializaram em buscar ideias novas, montar dois ou três quiosques (geralmente isso ocorre com quiosques) em shoppings de altíssimo movimento, e depois de alguns meses saem ofertando a franquia país afora. Muita gente se fascina com a novidade, os resultados dos primeiros empreendimentos são sempre muito bons e acaba comprando a ideia. É oportunismo empresarial válido mas a maioria dos negócios não segue essa lógica.
O segundo ponto importante é que nem todos os negócios tem margem suficiente para acomodar mais um elo na cadeia: o franqueado. Grosseiramente falando, a unidade franqueada é como um ponto de venda seu. Ela deve ter margem suficiente para permitir ao franqueado recuperar o investimento feito. Normalmente, esse dinheiro remunera o investimento que o franqueador faria se a loja fosse dele. Então o que ganha o franqueador? ganha a taxa de franquia (uma vez só) e os tais 6% sobre faturamento. Seria um resultado relativamente pobre por si só. Mas se você considerar que é necessário montar uma equipe de apoio a este franqueado e que ele telefonará a qualquer hora do dia ou da noite para resolver todo e qualquer problema que surgir, os 6% evaporarão rapidamente.
Há duas saídas para isso. Se você produz o que vende, a primeira maneira é obter margem no fornecimento ao franqueado. É meio malandro porque não muda a lógica da rentabilidade da cadeia e adiciona imposto em cascata mas é uma maneira de contornar restrições legais e apurar uma margem melhor. A segunda maneira de ganhar dinheiro é indireta. Fornecedores de mercado oferecem descontos maiores por volume, existem verbas de marketing cooperado, bonificações e uma série de práticas comerciais entre fornecedores e clientes que só ocorrem quando se atinge um determinado porte (aqui medido por volume de compras). Então, obviamente, se você passa de 10 lojas próprias para 50 lojas entre próprias e franqueadas, existe beneficio na ponta da compra apropriado pelo franqueador.
Isso nos conduz ao terceiro ponto. Só faz sentido franquear o negócio se for para criar uma rede realmente grande. Ter meia dúzia de franqueados é uma dor de cabeça. Ter 60 franqueados traz vantagens porque dilui os custos adicionais acima mencionados, além de apropriar os ganhos de escala.
Franqueados não tem obrigação de resolver problemas com sistema fora do ar, mercadoria entregue fora do prazo, dificuldades logísticas com doca de shopping center, alterações fiscais, mudança na taxa cobrada pela administradora de cartão de crédito, etc. Ele também precisa ser treinado em todos os detalhes da operação. Tudo isso faz parte do treinamento usual de um gerente de loja mas o franqueador não é um gerente. Ele é um empresário com comportamento próprio. Enquanto um gerente procura resolver todos os problemas antes de acionar a estrutura corporativa, o franqueado se acha no direito de acionar a estrutura do franqueador por qualquer coisa. Sem entrar no mérito se isso é certo ou errado, o fato é que um comportamento humano esperável, e isso impõe pressão sobre o back-office da empresa.
Outro aspecto é que , como empresário, o franqueado tem a ambição normal de ser dono do próprio negócio, ou seja, de dar a ele seu toque pessoal. É difícil estabelecer os limites disso. Se o franqueador proibir qualquer iniciativa do franqueado, poderá desestimulá-lo (e não há nada pior do que uma loja sem gestão). Mas se deixar a coisa correr solta, poderá perder controle sobre o posicionamento e imagem do negócio, dois de seus principais ativos. Um dos fatores de seleção do franqueado é justamente a personalidade dele e a empatia que ele gera com o franqueador. Afinidades culturais, em suma.
Eu tentei implantar o modelo de crescimento via franquia para o negócio de confeitaria fina da minha família e desisti. Foram vários os motivos. Eu não tinha um modelo de negócios replicável. Doces finos precisam ser produzidos próximos da hora do consumo. O franqueado teria de produzir os próprios doces sem a nossa supervisão direta. O risco de ocorrer problemas era muito alto. O segundo motivo é que a margem não permitia remunerar adequadamente o franqueado. A terceira razão é que nós descobrimos que nosso negócio é de nicho e de serviços. Muitas pessoas entravam nas lojas perguntando sobre fornecimento para festas, alterações na decoração dos doces, mudanças nas embalagens de presentes, redução de preço para grandes encomendas, doces específicos para celebrações corporativas, etc. Eu percebi que nós apropriávamos margem muito maior voltando ao modelo convencional de ateliê de alta confeitaria, operando com baixo volume e alta margem, do que montando uma rede de lojas pelo país, tentando ganhar na escala e no produto padronizado. A escolha foi feliz e eu estou satisfeito por não ter ido adiante com a rede.