Farmácias e drogarias são atividades comerciais reguladas no mundo todo, seja em países com medicina socializada, seja em países com medicina mista (pública e privada). O tipo de regulamentação varia bastante mas normalmente ela é pensada no interesse público. As preocupações primárias são controlar o acesso a determinados tipos de medicamentos (como psicotrópicos ou que possam causar dependência), impedir a venda de produtos falsificados e/ou produto de roubo e garantir que o consumidor receba exatamente aquilo que o médico prescreveu. Além, é claro, de preocupações com higiene e segurança.

Aqui no Brasil a regulamentação vem se tornando cada vez mais restritiva à atividades não diretamente relacionadas à venda de remédios. Isso é claramente um viés ideológico já que não há nenhuma razão de saúde pública que justifique a proibição de venda de alimentos industrializados ou produtos de conveniência para o lar. A se valer a vontade da agência reguladora, nem mesmo água seria vendida em farmácia. O argumento é que o que deve prevalecer na farmácia é sua “função social” e não sua “função comercial”. Eu já vivi décadas suficientes para saber que decisões que tenham como motivação primária elementos ideológicos não tem vida longa. Cedo ou tarde prevalece a racionalidade. Então, é útil ver para onde caminham as drogarias mais modernas do mundo e tê-las como inspiração quando a diretriz política do órgão regulador mudar.

Quem mais está chamando a atenção hoje é a nova loja da Duane Reade em Manhattan. A Duane Reade é uma rede de drogarias geograficamente concentrada em Nova Iorque. Suas 253 lojas foram adquiridas em 2010 pelo gigante Walgreens justamente por conta dessa avassaladora presença no mais visível mercado do mundo. Um ano atrás, a Duane Reade inaugurou aquela que deverá ser sua loja modelo (ou flagship, no jargão americano).

Nos EUA, se a seção de medicamentos tiver acesso limitado e estiver claramente identificada, pode-se comercializar o que quiser no restante da área de vendas. A Duane Reade situada na 40 Wall St (antigo prédio do Chase Manhattan) tira proveito disso e concentra um amplo leque de serviços e produtos sob o modelo de loja de departamentos. Com 2.050 m2 de área útil, a loja abriga um misto de mini-mercado, amplos espaços de cosmética e perfumaria, salão de cabeleireiro, manicure, consultório médico, clínica estética, floricultura, livraria e produtos diversos de conveniência.

A atendente holográfica na entrada da loja deixa antever o extenso uso de tecnologia. Terminais que permitem à cliente visualizar (virtualmente) a maquiagem aplicada no rosto e o amplo uso de sinalização digital também fazem parte do projeto. Mas o que chama mesmo a atenção na loja é seu lay-out e decoração. A Duane Reade é uma drogaria co-branded, com corners, corredores, setores e quiosques dedicados e patrocinados por alguns de seus principais fornecedores. É impossível entrar na loja e não se sentir dentro de uma moderna department store.

O público alvo são os afluentes do distrito financeiro de Nova Iorque. São clientes que podem pagar e estão dispostos a desembolsar valores maiores para obter serviços de categoria superior. Como tudo em Nova Iorque, o tempo é crítico e ter tudo o que se precisa debaixo de um mesmo teto é importante. Isso tem valor e a Duane Reade soube capturar a propensão desse consumidor em particular em gastar mais.

Outro aspecto que chama a atenção é que as áreas de cosmética, perfumaria e tratamentos do corpo dedicam espaços semelhantes ao público masculino e feminino. É conhecida a tendência do público masculino de dar mais atenção aos cuidados pessoais, superando preconceitos antigos. Essa tendência é universal e está bastante clara no nosso mercado também.

Lojas como essa nova flagship da Duane Reade não tem como função serem replicadas indistintamente por ai mas servirem como campo de prova de novos conceitos. Um desses conceitos é que drugstores deverão ser cada vez mais centros de serviços. E outro, esse comum a praticamente todo tipo de varejo, é que não faz mais sentido padronizar sortimento. Cada ponto de venda precisa ajustar seu sortimento ao perfil do cliente. Um empresário brasileiro criativo poderia aproveitar esse modelo ao contrário. Se tirar a parte de medicamentos, o que sobra é uma loja de cosmética e perfumaria ampliada, repensada, potencializada e longe das restrições legais.

Seja como for, não há nela algo que vem crescendo em farmácias de outros mercados do mundo, em particular o canadense: a oferta de produtos de alimentos e de medicação para animais de estimação. Em muitos países do mundo, a população de cães e gatos chega a superar a população de humanos. Mesmo no Brasil estima-se que haja cerca de 100 milhões de animais de estimação recebendo cuidados (ou seja, excluindo da contagem os animais de rua). Globalmente, o ticket mensal per capita de alimentos, vacinação e cuidados médicos com os animais vem crescendo assustadoramente. O mercado pet cresce a taxas de dois dígitos no Brasil desde meados dos anos 90. Então porque uma drogaria não poderia comercializar alimentos e medicamentos veterinários? Onde a regulamentação permite, elas já estão fazendo.

 

 

A D.D é uma butique de consultoria voltada para assuntos gerenciais e estratégicos com 17 anos de experiência no mercado brasileiro. Nossa carteira de clientes inclui varejistas de grande e médio portes, bem como manufaturas e prestadoras de serviço