Essa é uma pergunta que eu ouço sempre e ela já começa errada porque uma empresa familiar pode ser profissional. Nada tem a ver o controle do capital com o modelo de gestão. Há uma conexão, evidentemente, mas são coisas independentes.

O varejo cresce em ciclos, acompanhando a performance da economia e do mercado como um todo. Nos períodos em que o país vai bem, o varejo se apressa em abrir lojas e ocupar espaços. Quando vem a barrigada, é o momento de consolidar a rede e rentabilizar o metro quadrado de área de vendas. Essa regra geral vale para o mundo todo. A diferença é que, no Brasil, não apenas os ciclos de expansão e contração são muito intensos como não há capital barato para financiar esse crescimento. O varejo acaba imobilizando caixa precioso e isso muitas vezes se mostra problemático quando vem o ciclo de baixa. Empresas que comprometeram caixa demais acabam vulneráveis e se tornam alvo de aquisição por parte de um concorrente maior ou um investidor profissional.

A repetição continua da história estimulou muitas famílias empresárias a profissionalizar a gestão na expectativa de melhorar sua capacidade de defesa aos altos e baixos do negócio. São dois os caminhos preferidos pelos varejistas:

1. Constituir um conselho consultivo. Os membros deste conselho são, tipicamente, o fundador, seus herdeiros diretos e alguns empresários bem sucedidos que fazem parte da rede de relacionamentos da família. O conselho não tem papel decisório e funciona como “sounding board”, ou seja, um ambiente onde as questões mais relevantes são debatidas. A família depois decide o que fazer. É comum o conselho recomendar a aquisição de um software de gestão, o qual requer a revisão de processos para ser implantado, o qual gera uma série de intranquilidades na família porque mexe em “modus operandis” estabelecidos e bem conhecidos. Revela também, concentrações de poder, decisões arbitrárias e gargalos na gestão do negócio. A família pode encarar tudo isso como oportunidade e partir para um amplo programa de melhorias ou pode se assustar com o quadro de demandas que vai se construindo na frente dela e abortar / retardar o processo de profissionalização.

2. Retirar a família do dia-a-dia dos negócios e contratar executivos de mercado. A família vai para o conselho, aqui já não mais com papel meramente consultivo mas sim administrativo e/ou de acionistas. Normalmente essa mudança é feita com suporte de alguma empresa de consultoria que recomenda o estabelecimento de regras de governança e um modelo de gestão menos baseado em intuição/experiência e mais estruturado sobre informações.  É um modelo arriscado porque, por mais que se definam regras, a família sente que está perdendo o controle do negócio. Executivos de mercado estão habituados a tomar decisões com elevado grau de autonomia. Eles “chegam fazendo”, para se usar uma gíria em voga. E os acionistas se ressentem. Se as coisas caminham bem, o tempo se encarrega de reduzir as ansiedades e tensões. Mas se acontece algum tropeço no meio do caminho, não raro a família retoma a gestão e o modelo anterior.

Ficam de fora destes exemplos as famílias que venderam seus negócios, total ou parcialmente, para fundos de investimento. Com fundos não tem negociação. Eles irão forçar a implantação de um modelo gerencial conhecido. A família até poderá continuar no comando operacional mas o diretor financeiro será imposto pelo sócio capitalista e as coisas entrarão nos trilhos que o dono do dinheiro determinar. É o preço da recapitalização, que é recompensado com o sucesso do crescimento tranquilo, sem medo do caixa evaporar.

A meu ver, o caminho da profissionalização passa, primeiro, por se estabelecer um plano estratégico. Sem se saber para onde a empresa vai, é impossível saber os desafios gerenciais que ela irá enfrentar. Planos estratégicos já foram bichos de 7 cabeças. Hoje a técnica está dominada e em 3 meses é possível ter um plano muito bem construído, com as diretrizes claras, os problemas identificados, os focos de investimento decididos e as questões gerenciais explicitadas.

É justamente durante o plano estratégico que os acionistas fazem uma reflexão sobre a forma como os negócios devem ser dirigidos dali em diante. Eu entendo que “profissionalizar” a gestão não é, necessariamente, trazer executivos de mercado. Preparar a próxima geração, definir um modelo de gestão com distribuição adequada de responsabilidades e graus de autonomia, refinar processos, implantar um sistema de informações adequado ao perfil do negócio, estabelecer as regras de governança e eliminar a cultura de “culto ao fundador” são medidas que podem conduzir à uma gestão profissional. Encaixar executivos de mercado neste mosaico fica bem mais fácil.

As dores do crescimento são gostosas. Mas viver com dor não tem graça nenhuma.

A D.D é uma butique de consultoria voltada para assuntos gerenciais e estratégicos com 17 anos de experiência no mercado brasileiro. Nossa carteira de clientes inclui varejistas de grande e médio portes, bem como manufaturas e prestadoras de serviço