Quando, alguns anos atrás, eu comentei com amigos que estava para abrir lojas em 3 shoppings de primeira linha daqui de São Paulo, fui fortemente desaconselhado. O primeiro, dono de uma franqueadora com mais de 160 cafés, me mostrou seus números e disse que operar em shopping simplesmente mata a rentabilidade de negócios com baixa margem. Daí a razão pela qual pouquíssimas das suas 160 franquias estavam em algum Shopping Center. Meu negócio da época também era alimentos e os números dele me impressionaram.

Não satisfeito com uma recomendação, consultei o diretor financeiro de uma rede de lojas de material esportivo. Este foi menos taxativo. Sua opinião era que “depende muito do shopping”. Pensei com meus botões que esta é a típica resposta de consultor, algo que eu conheço bem, já que pertenço à estirpe. Depende do que? Do fluxo de pessoas, do perfil do frequentador, da sazonalidade, da evolução do entorno do shopping, do mix de lojas, do perfil da administradora, da posição física da minha loja no shopping, da negociação feita, do estágio de maturidade do empreendimento, etc, etc. Se o primeiro tinha sido uma ducha de água gelada, esta segunda opinião foi só uma duchinha de água fria.

O terceiro amigo consultado era (e ainda é) alto executivo de uma multinacional industrial. Varejistas são seus clientes e eu não esperava que ele conhecesse muito de loja. Ocorre que ele também vestia o chapéu de “paitrocinador” de uma pequena rede de lojas de confecções que suas filhas tocavam. Ao longo da vida eu aprendi a respeitar muito a opinião de industriais. A vida na manufatura é muito mais previsível do que no varejo e o profissional da área tende a raciocinar de maneira cartesiana, deixando percepções e intuições em segundo plano. Sua resposta à minha consulta foi que quem ganha dinheiro em shopping é a administradora.

Ao fim e ao cabo, mais motivado pelo meu desejo de experimentar algo totalmente novo do que desmotivado pelas recomendações em contrário, abri as lojas. E a realidade mostrou que todos tinham um pouco de razão embora as cores estivessem tingidas por tons fortes demais.

Juntando a experiência dessas lojas com a de longos anos em consultoria gerencial, minha conclusão é a seguinte:

  • Ter loja em shopping é celebrar um casamento. Como todo casamento, é mais barato entrar do que sair. Os contratos com administradoras de shopping impõem cláusulas muito onerosas para você se desvencilhar de um ponto. Se as coisas não estiverem indo bem, prepare-se para perder muito dinheiro com a operação ou para pagar muito à administradora para sair do local.
  • Todo shopping acaba dando certo. Porém, os shoppings novos demoram pelo menos três anos para formar clientela (ou, usando a expressão correta, estabilizar a frequência e o volume de público) e nem todos os negócios darão certo. De 10 a 15% das lojas não se mostrarão viáveis já no primeiro ano. Shoppings costumam refinar o mix de lojas após os primeiros 12 meses. Algumas serão realocadas para pontos mais adequados. Outras precisarão sair. Este é o único momento onde se pode negociar um way out razoável.
  • Tenha reservas financeiras suficientes para 3 anos de operação deficitária. Pode demorar menos para equilibrar o caixa? Pode. Também pode demorar mais. Ninguém sabe. E não cometa o erro de abrir várias lojas simultaneamente, a menos que você esteja franqueando o negócio ou tenha uma fonte de recursos muito capitalizada com você – um fundo de private equity, por exemplo.
  • Encontrar mão de obra qualificada é uma enorme dificuldade. Infelizmente, o comércio ainda é visto como alternativa para quem não tem opção de emprego melhor. Tipicamente, as pessoas que se apresentam em um processo seletivo possuem limitações sérias na educação formal e na educação básica. Isso quando aparecem na entrevista. Ou quando aceitam o emprego mas não aparecem para o registro porque “surgiu um emprego mais perto de casa”. Além da qualificação, shopping opera 7 dias por semana, 365 dias por ano, das 10 da manhã às 10 da noite. São dias e horários inconvenientes para todo mundo. A menos que você possa pagar salários superiores à média de mercado, trabalhar em shopping não fará parte da escolha primária de emprego de ninguém com um pouco de qualificação.
  • A quinta lição aprendida foi quanto ao custo de locação. Há uma regrinha empírica na vida em Shopping Center que diz o seguinte: as grandes âncoras pagam muito pouco de locação (vi o caso de uma que pagava apenas 2% do faturamento, sem valor mínimo). Elas são fundamentais para gerar tráfego. As lojas de franquia também tem tratamento diferenciado. Afinal, elas estão presentes em todos ou quase todos os shoppings da administradora, são importantes no mix e a administradora aceita conversar. Quem realmente “carrega o piano” são os pequenos lojistas. A estes as regras são impostas e há pouco espaço para choro. Mesmo assim, negocie o máximo que lhe for possível. E quando não der mais para negociar, negocie mais um pouco. Lembre-se que você está entrando em um casamento. Quaisquer dois por cento hoje, somados ao longo de 5 ou 10 anos de operação de loja, farão muita diferença.
  • Por fim, embora as pessoas continuem trocando o comércio de rua pelo comércio concentrado, a superlotação de shoppings em algumas cidades está comprometendo a rentabilização dos novos empreendimentos. Recentemente eu participei de uma reunião entre grandes varejistas onde se discutiu o dilema entre estar em um shopping novo, sabendo que abrirão outros 2 ou 3 na cidade e todos sofrerão, ou abrir mão da oportunidade e ver o espaço ocupado por um concorrente. Muitos destes varejistas declararam que é melhor crescer menos mas com segurança do que tentar assegurar todos os pontos comerciais possíveis e estourar o caixa ou o endividamento.

Minha recomendação para você que é pequeno varejista é que entre em um shopping de cada vez, procure empreendimentos maduros, tenha muita reserva para sustentar alguns anos de operação deficitária, e só invista na próxima loja quando a primeira já estiver gerando caixa positivo. Se você for um franqueador, seja honesto com seu franqueado e lhe diga que o céu azul de brigadeiro com que todo mundo sonha está depois do mar de nuvens. E se você for um grande varejista, esprema a administradora e tente obter condições extremamente favoráveis.

Em tempo: eu, ainda noviço na arte de negociar com administradoras de shopping, e abrindo minha primeira loja, fechei o contrato por 30% do valor do metro quadrado inicialmente solicitado. Depois de algum tempo, com o negócio indo mal, consegui uma redução adicional nos custos de locação. Imagine o que eu teria obtido se tivesse um pouco mais de experiência nas costas.

A D.D é uma butique de consultoria voltada para assuntos gerenciais e estratégicos com 17 anos de experiência no mercado brasileiro. Nossa carteira de clientes inclui varejistas de grande e médio portes, bem como manufaturas e prestadoras de serviço