A duras, muito duras penas o nosso país vem tentando se manter como uma democracia de verdade. Um dos pilares da democracia recai na alternância de poder, no sentido de haver propostas substancialmente diferentes de gestão pública sucedendo-se ou, no mínimo, se apresentando recorrentemente ao escrutínio público.
Nas últimas décadas, o Brasil viveu a transitoriedade do governo Sarney (limitado em sua ação pela Constituinte e em lutar contra a hiperinflação), a abertura da economia ao mundo do governo Collor, a interinidade de Itamar (focado no plebiscito para escolha do regime de governo e o Plano Real), a gestão conservadora de FHC (privatizações, controle orçamentário, controle inflacionário, redução do custo do Estado), os governos intervencionistas de Lula e Dilma (com foco nas questões sociais, na criação dos chaebols brasileiros, extensa regulamentação da atividade produtiva e pouca preocupação na estabilidade macroeconômica), o governo interino de Temer (tentando estabelecer algum controle de gastos) e o governo Bolsonaro (que foi eleito a partir de uma proposta privatista e de redesenho do estado e da estrutura fiscal mas pouco fez nesse sentido). Em suma, foram quase 40 anos onde a sociedade brasileira pode experimentar um pouco de tudo.
Basicamente, governos conservadores tendem a se preocupar com a estabilidade econômica, na redução da intervenção do governo na vida empresarial e no estímulo ao empreendedorismo, enquanto governos de esquerda (liberais, trabalhistas ou socialistas) dão foco nas políticas sociais, no intervencionismo econômico, regulamentação e aumento de tributos. O resultado é que governos conservadores acabam criando uma imagem antipática junto à população enquanto governos liberais acabam invariavelmente provocando uma crise econômica.
Em países desenvolvidos, as diferenças entre ambas as propostas de governo não são muito acentuadas e a alternância no poder tem impacto relativamente modesto no cotidiano das pessoas e na vida do país. No Brasil, (e no restante da América Latina), as posturas políticas são muito radicais e qualquer política inovadora gera um impacto desproporcionalmente grande. Um programa de alimentação como o bolsa família, que em países desenvolvidos tem impacto modesto na demanda, no Brasil alavanca 2 ou 3 pontos percentuais de crescimento do PIB. Em contrapartida, a não observância da Lei de Responsabilidade Fiscal leva o país do equilíbrio orçamentário a um déficit público gigantesco em questão de poucos anos, trazendo a depressão econômica e comprometendo anos de crescimento futuro.
Se o Brasil continuar exercitando a democracia, a tendência é que governos conservadores e de esquerda se alternem a cada 10 ou 12 anos, porém com diferenças de postura cada vez menores. A curto prazo, nós suspiraremos com uma nova medida de impacto a cada manhã. A médio prazo, ajustes profundos precisarão ser feitos:
- Um extenso programa de privatizações a ser implantado a toque de caixa, provavelmente não pelo melhor modelo mas sim pelo mais rápido de ser executado
- Privatizações permitem a redução do tamanho do estado, com todas as consequências benéficas que isso traz em uso de espaço, consumo de recursos, benefícios concedidos e previdência social
- Aumento seletivo de impostos: dificilmente veremos um redesenho da estrutura fiscal do país com transferência da carga fiscal hoje centrada na produção e consumo para o lucro e a renda
- Manutenção dos programas sociais mais significativos
- Algum privilégio a programas que servem tanto para estimular a economia quanto para reduzir a pressão popular, como o de habitação popular
- Manutenção e aprofundamento da flexibilização do máximo possível das leis trabalhistas, às custas de muita briga com os sindicatos, organizações e partidos de esquerda.
- Taxas de juros reais positivas, atraindo capital financeiro internacional
- Câmbio livre e com valorização do real, o que ajuda no controle da inflação e vem a reboque da atração de capital estrangeiro
- Controle da moeda e da inflação, que vem atingindo níveis alarmantes
- Alguma renegociação criativa da dívida pública federal, cujo serviço consome mais de 50% da arrecadação fiscal, o que compromete significativamente a capacidade de investimento do estado.
- Aumento continuado nas exportações de commodities. Com a continua desindustrialização do país, o Brasil vem importando cada vez mais produtos de consumo. Temos conseguido manter saldo positivo mas nosso superavit comercial vem caindo continuamente há 5 anos. Se a economia reativar, o consumo de produtos importados aumentará imediatamente, o que poderá inverter o saldo da balança comercial
É muita coisa para ser feita em pouco tempo, agravada pelo fato da economia ser hoje quase 3% menor do que era em 2015. O governo atual, em que pese o problema da pandemia e da desestruturação das cadeias produtivas mundiais, poderia ter avançado mais em alguns dos pontos dessa agenda de reformas. Não o fez e a responsabilidade passará para o governo a ser eleito em 2022.
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