Por volta de 1910, os passageiros que desembarcavam na Estação da Luz, em São Paulo, podiam se servir de tílburis de aluguel tracionados por cavalos, que ficavam estacionados defronte à estação ferroviária. Em 1911, aproveitando o surgimento dos automóveis, Frederico Zanardi criou a Companhia Nacional de Auto-Transporte e obteve licença para estacionar seus veículos no local, em concorrência com os cocheiros. Obviamente os “chauffers” da empresa não foram bem recebidos.

Na noite de 24 de agosto de 1911, o cocheiro Antonio de Luca começou um bate-boca com um funcionário da companhia chamado Francisco da Cunha. No meio da discussão, Luca puxou um revólver e disparou contra o peito de Francisco, que foi internado na Santa Casa de Misericórdia e sobreviveu.

Há cem anos os cocheiros brigavam com os taxistas que lhes faziam concorrência mas os congressistas, em sessão no Rio de Janeiro, tinham coisas mais importantes para pensar. O país impunha a lei da vacinação obrigatória, em esforço concentrado para melhorar a saúde pública. O Rio de Janeiro passava por um intenso período de reurbanização, com eliminação de cortiços e implantação de largas avenidas, gerando grande revolta popular. As despesas públicas estavam crescendo rapidamente e já representavam 10% do PIB, criando apreensão quanto ao futuro do país. E a taxa de criminalidade atingiu níveis preocupantes: dos 2.833 condenados, 90% haviam cometido assassinato. Dessa forma, os Congressistas não viram grandes problemas na nova economia e preferiram deixar os próprios passageiros decidirem, em todo o país, pelo serviço de transporte que quisessem.

O início do século 20 assistiu a uma revolução provocada pelo surgimento de novas tecnologias: aviação, automóveis, eletricidade, o cinema, linha de produção, eletrodomésticos (como aspirador de pó e torradeira de pão), ar condicionado e o rádio. O início do século 21 assiste a uma revolução semelhante, batizada de “Nova Economia”, que também se expressa sob inúmeras formas e afeta todos os aspectos da vida:  economia de compartilhamento (Uber, Airbnb), sustentabilidade, moedas virtuais e a desintermediação financeira (bitcoin, Litecoin, Peercoin e outras), a desassociação entre a remuneração, o emprego e o trabalho (salário garantido), locação de ativos ao invés de aquisição de ativos (com enorme desapego em relação à propriedade), o escambo de mercadorias ao invés de compra e venda, economia circular, energia verde, financiamento fragmentado e pouco estruturado (crowd funding), auto-emprego (terceirização completa de mão de obra) e por ai vai.

O ano de 2021 é bem diferente do ano de 1911. Como todos nós sabemos, o país não tem mais problemas de saneamento básico, saúde pública, moradia, crescimento econômico, endividamento público e criminalidade. Com todos esses problemas fundamentais já resolvidos, os parlamentares de hoje podem se dedicar à tarefa de atrapalhar o máximo que podem a Nova Economia, com sua carga infindável de regras, regulamentos, leis, ordenamentos, impostos e tudo mais. Obviamente, a vida econômica continuará evoluindo e muitas das profissões e empresas atuais desaparecerão e novas surgirão, do mesmo modo que cocheiros, parteiras e acendedores de lampião se tornaram desnecessários cem anos atrás. É inevitável. Então porque motivo custosos parlamentares e sindicatos se empenham tanto em eliminar as empresas da nova economia, como o Uber?

Porque a Nova Economia cria um imenso desafio sobre as estruturas de poder estabelecidas. Para que sindicatos são necessários se as pessoas se auto-empregam, gozam de salário garantido ou prestam serviços através de ativos compartilhados? Não haverá mais tanta disputa entre capital e trabalho a ser intermediada pelos sindicatos. A indústria automobilística tradicional desaparecerá já que as pessoas, em um futuro próximo, entrarão na concessionária para alugar carros por um ano e não mais compra-los. Isso reduzirá muito o consumo de novos automóveis e o recolhimento fiscal a ele associado. As relações trabalhistas mudarão completamente, reduzindo a necessidade da dispendiosa justiça trabalhista, com seu séquito de advogados e contadores. Cidades auto-suficientes, operando em mercados de trocas ou economia circular, estarão menos sujeitas ao poder central, reduzindo a capacidade da burocracia brasiliense de tributar ou regulamentar o que um cidadão compra no mercado da esquina. As economias dependerão bem menos dos grandes bancos comerciais e suas imorais taxas de juros (notoriamente no caso brasileiro)

O esforço feito nos anos recentes em “regulamentar” o Uber e o Airbnb (palavra da moda para descrever o esforço em forçar o novo a se igualar ao anacrônico e ineficiente modelo que está sendo substituído) não irá mudar o futuro mas certamente atrasará o país. Os custos de hospedagem e transporte providos pelas novas empresas já aumentaram, e bastante, em comparação ao que eram no início. Relfexo da nossa miopia pública. O Brasil precisa urgentemente mudar duas mentalidades: a da sociedade em geral, amplamente refratária à novidades, riscos e oceanos azuis; e a do governo e funcionários públicos, amplamente favoráveis a manter seus próprios poderes e privilégios

O Brasil não impedirá a emergência da Nova Economia. A questão é saber se o Brasil permitirá que a Nova Economia nos traga para o século 21 ou se chegaremos à revolução do início do século 22 vivendo como o eterno país de terceiro mundo que baba por tudo o que acontece no exterior. E, obviamente, com nossos felizes, ricos e tradicionais parlamentares declarando na midia que essas novidades são “boas mais num serve pra nóis que é pobre e precisa gerar emprego po povo”.

Crédito: a história sobre o conflito entre cocheiros e motoristas de taxi foi extraida do blog São Paulo Passado, de Edison Loureiro (https://saopaulopassado.wordpress.com/2017/04/08/ha-cem-anos-os-taxistas-brigavam-com-os-cocheiros/)

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