Crises são ótimas para induzir empresas a inovar e assumir riscos. Em 2009, o Carrefour anunciou a transformação de 500 hipermercados europeus do formato clássico (que ele próprio inventou) para um modelo modernizado e batizado de Planet. A aposta era alta. A um custo de US$ 7 milhões por unidade, a direção do Carrefour esperava que as vendas aumentassem 18% em 5 anos. Por razões que não são foco deste artigo, o Carrefour só conseguiu transformar 81 unidades, porém as vendas aumentaram 14% nelas. Crescer vendas nesta magnitude sem aumentar área de exposição, em mercados maduros e em recessão pode ser classificado como um resultado excepcional.
O modelo do hipermercado vem sendo declarado morto há um bom tempo. O varejo adora discutir os diversos riscos que os hipermercados tem de enfrentar, de lojas de desconto a redes especializadas ,de lojas de departamento a supermercados de bairro, de atacarejos ao e-commerce. O fato é que os hipermercados tem desempenho diferente dependendo do país mas existem em todos eles. Mesmo dentro de um mesmo país, os consumidores estabelecem relações diferentes com o hipermercado. No caso brasileiro, em locais onde o trânsito é mais suave e dispõe-se de mais tempo, ir ao hipermercado chega a ser um passeio. Já em São Paulo é uma terrível obrigação da qual todos adorariam se ver livres. De modo geral, as pessoas consideram o hipermercado o melhor local para as grandes compras do mês enquanto o supermercado, ou as lojas de bairro, tem o papel de complementar a despensa com as compras semanais.
O Carrefour Planet parte do pressuposto que o consumidor estava mesmo cansado da insipidez e do tédio na experiência de compras no hipermercado. É preciso lembrar que cerca de 50% do espaço de venda em um hiper é dedicado a alimentos e escolher alface e peito de frango não é exatamente uma atividade prazerosa. Então o que fazer?
O Carrefour repensou praticamente todas as variáveis relacionadas ao negócio. A primeira medida foi reagrupar as categorias de produtos nos chamados “universos”, ou soluções de consumo. Grosso modo, é como se fossem lojas dentro de lojas, aproximando o hipermercado do modelo “loja de departamento”. Não existem as paredes mas existe a clara separação entre um “universo” e outro. Uma mesma categoria de produto pode aparecer em mais de um “universo”.
Um segundo aspecto exaustivamente trabalhado foi o conforto do cliente. A iluminação branca genérica, típica de mercados, foi substituída por iluminação dirigida aos produtos, o que baixa o nível geral de claridade e destaca a mercadoria. Outro destaque é a inclusão de poltronas e locais de descanso, principalmente onde a seleção do produto demanda tempo (como na livraria). As cores utilizadas em cada universo guardam relação com o tipo de mercadoria ou de solução de consumo. O espaço da Heineken é verde, obviamente. Já a livraria tem tons neutros e o espaço para as crianças é multicolorido.
A filosofia básica é a de valorizar o cliente. Por conta disso, o conceito de puro auto-serviço foi deixado um pouco de lado. Consultores de venda estão espalhados por toda a loja para auxiliar os clientes. Na área de beleza é possível cortar o cabelo ou ter o rosto maquiado. Há espaços para degustação de produtos.
Um ponto que a mim não ficou claro é se houve ou não avanço no check-out. Qualquer varejista sabe que o cliente pode gastar duas horas passeando dentro da loja sem se cansar. Se ele ficar mais do que 10 minutos na fila do caixa, ele se irrita e pode até largar o carrinho cheio. O varejo inventou muitas saídas para o problema, desde a implantação de caixas rápidos até o reforço de bocas de ar condicionado sobre os caixas. Porém, o drama persiste. Teoricamente, só há uma solução real para este problema: as etiquetas inteligentes, permitindo um “sem parar” na saída. Ambos já existem, as etiquetas e os sistemas de leitura e registro da compra. Mas há problemas tecnológicos que precisam ser resolvidos antes da implantação em larga escala no varejo. Ainda somos reféns do “velho e bom” check-out, com as atendentes passando produto pelo leitor enquanto pensam na vida.
Uma unidade experimental do Carrefour Planet (embora sem usar esse nome) está em operação desde o final de 2011 na cidade de Santo André, na Grande São Paulo. Será este o futuro do hipermercado?
A D.D é uma butique de consultoria voltada para assuntos gerenciais e estratégicos com 17 anos de experiência no mercado brasileiro. Nossa carteira de clientes inclui varejistas de grande e médio portes, bem como manufaturas e prestadoras de serviço