por Fabio Nogueira | set 21, 2012 | Blog
Essa é uma pergunta que eu ouço sempre e ela já começa errada porque uma empresa familiar pode ser profissional. Nada tem a ver o controle do capital com o modelo de gestão. Há uma conexão, evidentemente, mas são coisas independentes.
O varejo cresce em ciclos, acompanhando a performance da economia e do mercado como um todo. Nos períodos em que o país vai bem, o varejo se apressa em abrir lojas e ocupar espaços. Quando vem a barrigada, é o momento de consolidar a rede e rentabilizar o metro quadrado de área de vendas. Essa regra geral vale para o mundo todo. A diferença é que, no Brasil, não apenas os ciclos de expansão e contração são muito intensos como não há capital barato para financiar esse crescimento. O varejo acaba imobilizando caixa precioso e isso muitas vezes se mostra problemático quando vem o ciclo de baixa. Empresas que comprometeram caixa demais acabam vulneráveis e se tornam alvo de aquisição por parte de um concorrente maior ou um investidor profissional.
A repetição continua da história estimulou muitas famílias empresárias a profissionalizar a gestão na expectativa de melhorar sua capacidade de defesa aos altos e baixos do negócio. São dois os caminhos preferidos pelos varejistas:
1. Constituir um conselho consultivo. Os membros deste conselho são, tipicamente, o fundador, seus herdeiros diretos e alguns empresários bem sucedidos que fazem parte da rede de relacionamentos da família. O conselho não tem papel decisório e funciona como “sounding board”, ou seja, um ambiente onde as questões mais relevantes são debatidas. A família depois decide o que fazer. É comum o conselho recomendar a aquisição de um software de gestão, o qual requer a revisão de processos para ser implantado, o qual gera uma série de intranquilidades na família porque mexe em “modus operandis” estabelecidos e bem conhecidos. Revela também, concentrações de poder, decisões arbitrárias e gargalos na gestão do negócio. A família pode encarar tudo isso como oportunidade e partir para um amplo programa de melhorias ou pode se assustar com o quadro de demandas que vai se construindo na frente dela e abortar / retardar o processo de profissionalização.
2. Retirar a família do dia-a-dia dos negócios e contratar executivos de mercado. A família vai para o conselho, aqui já não mais com papel meramente consultivo mas sim administrativo e/ou de acionistas. Normalmente essa mudança é feita com suporte de alguma empresa de consultoria que recomenda o estabelecimento de regras de governança e um modelo de gestão menos baseado em intuição/experiência e mais estruturado sobre informações. É um modelo arriscado porque, por mais que se definam regras, a família sente que está perdendo o controle do negócio. Executivos de mercado estão habituados a tomar decisões com elevado grau de autonomia. Eles “chegam fazendo”, para se usar uma gíria em voga. E os acionistas se ressentem. Se as coisas caminham bem, o tempo se encarrega de reduzir as ansiedades e tensões. Mas se acontece algum tropeço no meio do caminho, não raro a família retoma a gestão e o modelo anterior.
Ficam de fora destes exemplos as famílias que venderam seus negócios, total ou parcialmente, para fundos de investimento. Com fundos não tem negociação. Eles irão forçar a implantação de um modelo gerencial conhecido. A família até poderá continuar no comando operacional mas o diretor financeiro será imposto pelo sócio capitalista e as coisas entrarão nos trilhos que o dono do dinheiro determinar. É o preço da recapitalização, que é recompensado com o sucesso do crescimento tranquilo, sem medo do caixa evaporar.
A meu ver, o caminho da profissionalização passa, primeiro, por se estabelecer um plano estratégico. Sem se saber para onde a empresa vai, é impossível saber os desafios gerenciais que ela irá enfrentar. Planos estratégicos já foram bichos de 7 cabeças. Hoje a técnica está dominada e em 3 meses é possível ter um plano muito bem construído, com as diretrizes claras, os problemas identificados, os focos de investimento decididos e as questões gerenciais explicitadas.
É justamente durante o plano estratégico que os acionistas fazem uma reflexão sobre a forma como os negócios devem ser dirigidos dali em diante. Eu entendo que “profissionalizar” a gestão não é, necessariamente, trazer executivos de mercado. Preparar a próxima geração, definir um modelo de gestão com distribuição adequada de responsabilidades e graus de autonomia, refinar processos, implantar um sistema de informações adequado ao perfil do negócio, estabelecer as regras de governança e eliminar a cultura de “culto ao fundador” são medidas que podem conduzir à uma gestão profissional. Encaixar executivos de mercado neste mosaico fica bem mais fácil.
As dores do crescimento são gostosas. Mas viver com dor não tem graça nenhuma.
A D.D é uma butique de consultoria voltada para assuntos gerenciais e estratégicos com 17 anos de experiência no mercado brasileiro. Nossa carteira de clientes inclui varejistas de grande e médio portes, bem como manufaturas e prestadoras de serviço
por Fabio Nogueira | set 12, 2012 | Blog
Eu trabalho com consultoria em gestão há 32 anos, desde o início da grande crise brasileira de 1981. Ao longo desse tempo muita coisa mudou no mercado e talvez uma das mudanças mais significativas tenha sido o crescimento e a consolidação das redes de porte médio. É impressionante a quantidade de redes varejistas operando entre 40 e 200 lojas que existem por este país afora. Curiosamente, apenas as poucas redes de maior porte aparecem na mídia, são consultadas nas pesquisas de tendências ou agraciadas com prêmios.
Redes de médio porte tem características específicas, a meu ver. De um lado, elas enfrentam desafios semelhantes aos das grandes redes. Desenham novos processos operacionais, implantam um bom sistema de gestão, automatizam o CD, estruturam o relacionamento com os clientes. De outro, ainda são empresas familiares, com tomada de decisão centralizada e baseada na experiência dos donos, e com grande distância entre a diretoria e os níveis operacionais.No meio disso tudo vem o crescimento acelerado, com consequente comprometimento de caixa e aumento da percepção de falta de controle sobre o negócio.
No mundo todo, o varejo de porte médio é o carregador de piano do setor e tem grande representatividade nas entidades de classe, além de ser foco das empresas de consultoria. Não vejo isso acontecer no Brasil. Há sempre as velhas desculpas. Duas são clássicas:” o empresário varejista é desconfiado”; e a exuberante “varejista tem escorpião no bolso”. Como se industriais e prestadores de serviços não fossem desconfiados e adorassem torrar dinheiro.
Na minha visão, o varejo de médio porte está simplesmente abandonado, o que é uma pena porque ele tem muito a dizer. Primeiro, este varejo está espalhado pelo país e tem uma visão abrangente sobre o comportamento do consumidor que não mora no sempre pesquisado eixo São Paulo – Rio – BH – Porto Alegre – Brasília. Segundo, porque há desníveis acentuados na qualificação da mão de obra ao longo do país. Boa mão de obra é fator crítico de sucesso hoje em dia. Redes localizadas fora dos grandes centros estão partindo para implantação de seus próprios centros de formação, que não é uma função do varejo e onera a empresa, além de se correr o risco de formar gente para o mercado. Um terceiro ponto relevante é que inovação não é privilégio de paulistas e cariocas. Muitas boas ideias, incluindo novos formatos de loja, surgem o tempo todo mas que não ganham visibilidade. Por fim, o varejo regionalizado é fundamental para reduzir a dependência da indústria em relação às grandes redes. Em setores muito concentrados, como o eletro-eletrônico, as redes de porte médio ajudam a equilibrar as forças dentro da cadeia de suprimentos. Porém, com baixo nível de organização, intercâmbio de informações e representatividade, o varejo de médio porte tira pouco proveito disso.
Está faltando uma entidade ou instituto que congregue as empresas varejistas de médio porte, discuta seus problemas, identifique interesses comuns, construa soluções específicas e as ajude a se profissionalizar e evoluir até se tornarem grandes e, quem sabe, internacionais.
por Fabio Nogueira | ago 23, 2012 | Blog
Farmácias e drogarias são atividades comerciais reguladas no mundo todo, seja em países com medicina socializada, seja em países com medicina mista (pública e privada). O tipo de regulamentação varia bastante mas normalmente ela é pensada no interesse público. As preocupações primárias são controlar o acesso a determinados tipos de medicamentos (como psicotrópicos ou que possam causar dependência), impedir a venda de produtos falsificados e/ou produto de roubo e garantir que o consumidor receba exatamente aquilo que o médico prescreveu. Além, é claro, de preocupações com higiene e segurança.
Aqui no Brasil a regulamentação vem se tornando cada vez mais restritiva à atividades não diretamente relacionadas à venda de remédios. Isso é claramente um viés ideológico já que não há nenhuma razão de saúde pública que justifique a proibição de venda de alimentos industrializados ou produtos de conveniência para o lar. A se valer a vontade da agência reguladora, nem mesmo água seria vendida em farmácia. O argumento é que o que deve prevalecer na farmácia é sua “função social” e não sua “função comercial”. Eu já vivi décadas suficientes para saber que decisões que tenham como motivação primária elementos ideológicos não tem vida longa. Cedo ou tarde prevalece a racionalidade. Então, é útil ver para onde caminham as drogarias mais modernas do mundo e tê-las como inspiração quando a diretriz política do órgão regulador mudar.
Quem mais está chamando a atenção hoje é a nova loja da Duane Reade em Manhattan. A Duane Reade é uma rede de drogarias geograficamente concentrada em Nova Iorque. Suas 253 lojas foram adquiridas em 2010 pelo gigante Walgreens justamente por conta dessa avassaladora presença no mais visível mercado do mundo. Um ano atrás, a Duane Reade inaugurou aquela que deverá ser sua loja modelo (ou flagship, no jargão americano).
Nos EUA, se a seção de medicamentos tiver acesso limitado e estiver claramente identificada, pode-se comercializar o que quiser no restante da área de vendas. A Duane Reade situada na 40 Wall St (antigo prédio do Chase Manhattan) tira proveito disso e concentra um amplo leque de serviços e produtos sob o modelo de loja de departamentos. Com 2.050 m2 de área útil, a loja abriga um misto de mini-mercado, amplos espaços de cosmética e perfumaria, salão de cabeleireiro, manicure, consultório médico, clínica estética, floricultura, livraria e produtos diversos de conveniência.
A atendente holográfica na entrada da loja deixa antever o extenso uso de tecnologia. Terminais que permitem à cliente visualizar (virtualmente) a maquiagem aplicada no rosto e o amplo uso de sinalização digital também fazem parte do projeto. Mas o que chama mesmo a atenção na loja é seu lay-out e decoração. A Duane Reade é uma drogaria co-branded, com corners, corredores, setores e quiosques dedicados e patrocinados por alguns de seus principais fornecedores. É impossível entrar na loja e não se sentir dentro de uma moderna department store.
O público alvo são os afluentes do distrito financeiro de Nova Iorque. São clientes que podem pagar e estão dispostos a desembolsar valores maiores para obter serviços de categoria superior. Como tudo em Nova Iorque, o tempo é crítico e ter tudo o que se precisa debaixo de um mesmo teto é importante. Isso tem valor e a Duane Reade soube capturar a propensão desse consumidor em particular em gastar mais.
Outro aspecto que chama a atenção é que as áreas de cosmética, perfumaria e tratamentos do corpo dedicam espaços semelhantes ao público masculino e feminino. É conhecida a tendência do público masculino de dar mais atenção aos cuidados pessoais, superando preconceitos antigos. Essa tendência é universal e está bastante clara no nosso mercado também.
Lojas como essa nova flagship da Duane Reade não tem como função serem replicadas indistintamente por ai mas servirem como campo de prova de novos conceitos. Um desses conceitos é que drugstores deverão ser cada vez mais centros de serviços. E outro, esse comum a praticamente todo tipo de varejo, é que não faz mais sentido padronizar sortimento. Cada ponto de venda precisa ajustar seu sortimento ao perfil do cliente. Um empresário brasileiro criativo poderia aproveitar esse modelo ao contrário. Se tirar a parte de medicamentos, o que sobra é uma loja de cosmética e perfumaria ampliada, repensada, potencializada e longe das restrições legais.
Seja como for, não há nela algo que vem crescendo em farmácias de outros mercados do mundo, em particular o canadense: a oferta de produtos de alimentos e de medicação para animais de estimação. Em muitos países do mundo, a população de cães e gatos chega a superar a população de humanos. Mesmo no Brasil estima-se que haja cerca de 100 milhões de animais de estimação recebendo cuidados (ou seja, excluindo da contagem os animais de rua). Globalmente, o ticket mensal per capita de alimentos, vacinação e cuidados médicos com os animais vem crescendo assustadoramente. O mercado pet cresce a taxas de dois dígitos no Brasil desde meados dos anos 90. Então porque uma drogaria não poderia comercializar alimentos e medicamentos veterinários? Onde a regulamentação permite, elas já estão fazendo.
A D.D é uma butique de consultoria voltada para assuntos gerenciais e estratégicos com 17 anos de experiência no mercado brasileiro. Nossa carteira de clientes inclui varejistas de grande e médio portes, bem como manufaturas e prestadoras de serviço
por Fabio Nogueira | ago 16, 2012 | Blog
Crises são ótimas para induzir empresas a inovar e assumir riscos. Em 2009, o Carrefour anunciou a transformação de 500 hipermercados europeus do formato clássico (que ele próprio inventou) para um modelo modernizado e batizado de Planet. A aposta era alta. A um custo de US$ 7 milhões por unidade, a direção do Carrefour esperava que as vendas aumentassem 18% em 5 anos. Por razões que não são foco deste artigo, o Carrefour só conseguiu transformar 81 unidades, porém as vendas aumentaram 14% nelas. Crescer vendas nesta magnitude sem aumentar área de exposição, em mercados maduros e em recessão pode ser classificado como um resultado excepcional.
O modelo do hipermercado vem sendo declarado morto há um bom tempo. O varejo adora discutir os diversos riscos que os hipermercados tem de enfrentar, de lojas de desconto a redes especializadas ,de lojas de departamento a supermercados de bairro, de atacarejos ao e-commerce. O fato é que os hipermercados tem desempenho diferente dependendo do país mas existem em todos eles. Mesmo dentro de um mesmo país, os consumidores estabelecem relações diferentes com o hipermercado. No caso brasileiro, em locais onde o trânsito é mais suave e dispõe-se de mais tempo, ir ao hipermercado chega a ser um passeio. Já em São Paulo é uma terrível obrigação da qual todos adorariam se ver livres. De modo geral, as pessoas consideram o hipermercado o melhor local para as grandes compras do mês enquanto o supermercado, ou as lojas de bairro, tem o papel de complementar a despensa com as compras semanais.
O Carrefour Planet parte do pressuposto que o consumidor estava mesmo cansado da insipidez e do tédio na experiência de compras no hipermercado. É preciso lembrar que cerca de 50% do espaço de venda em um hiper é dedicado a alimentos e escolher alface e peito de frango não é exatamente uma atividade prazerosa. Então o que fazer?
O Carrefour repensou praticamente todas as variáveis relacionadas ao negócio. A primeira medida foi reagrupar as categorias de produtos nos chamados “universos”, ou soluções de consumo. Grosso modo, é como se fossem lojas dentro de lojas, aproximando o hipermercado do modelo “loja de departamento”. Não existem as paredes mas existe a clara separação entre um “universo” e outro. Uma mesma categoria de produto pode aparecer em mais de um “universo”.
Um segundo aspecto exaustivamente trabalhado foi o conforto do cliente. A iluminação branca genérica, típica de mercados, foi substituída por iluminação dirigida aos produtos, o que baixa o nível geral de claridade e destaca a mercadoria. Outro destaque é a inclusão de poltronas e locais de descanso, principalmente onde a seleção do produto demanda tempo (como na livraria). As cores utilizadas em cada universo guardam relação com o tipo de mercadoria ou de solução de consumo. O espaço da Heineken é verde, obviamente. Já a livraria tem tons neutros e o espaço para as crianças é multicolorido.
A filosofia básica é a de valorizar o cliente. Por conta disso, o conceito de puro auto-serviço foi deixado um pouco de lado. Consultores de venda estão espalhados por toda a loja para auxiliar os clientes. Na área de beleza é possível cortar o cabelo ou ter o rosto maquiado. Há espaços para degustação de produtos.
Um ponto que a mim não ficou claro é se houve ou não avanço no check-out. Qualquer varejista sabe que o cliente pode gastar duas horas passeando dentro da loja sem se cansar. Se ele ficar mais do que 10 minutos na fila do caixa, ele se irrita e pode até largar o carrinho cheio. O varejo inventou muitas saídas para o problema, desde a implantação de caixas rápidos até o reforço de bocas de ar condicionado sobre os caixas. Porém, o drama persiste. Teoricamente, só há uma solução real para este problema: as etiquetas inteligentes, permitindo um “sem parar” na saída. Ambos já existem, as etiquetas e os sistemas de leitura e registro da compra. Mas há problemas tecnológicos que precisam ser resolvidos antes da implantação em larga escala no varejo. Ainda somos reféns do “velho e bom” check-out, com as atendentes passando produto pelo leitor enquanto pensam na vida.
Uma unidade experimental do Carrefour Planet (embora sem usar esse nome) está em operação desde o final de 2011 na cidade de Santo André, na Grande São Paulo. Será este o futuro do hipermercado?
A D.D é uma butique de consultoria voltada para assuntos gerenciais e estratégicos com 17 anos de experiência no mercado brasileiro. Nossa carteira de clientes inclui varejistas de grande e médio portes, bem como manufaturas e prestadoras de serviço
por Fabio Nogueira | jul 26, 2012 | Blog
A mídia publica incessantemente matérias sobre franquias e franqueados. Quase sempre, o enfoque é no franqueado. Em outras palavras, a mídia de negócios procura ajudar o potencial investidor a escolher uma franquia.
O que nos interessa neste blog é o outro lado da moeda: é interessante franquear o negócio? Eu tive essa experiência no passado recente e posso garantir que há riscos elevados com franquia. E outra, franquia só dá dinheiro depois que você conseguiu montar uma rede grande.
Vamos por partes. Primeiro, é impossível franquear um modelo de negócios que não esteja consolidado. O negócio precisa estar dando certo para ser possível convencer alguém a investir; e também para que seja possível você dizer a seu franqueado como tocar a franquia dele. Alguém dirá que surgem franquias do nada o tempo todo. Sim, surgem. Há oportunismo no mercado. Existem investidores que se especializaram em buscar ideias novas, montar dois ou três quiosques (geralmente isso ocorre com quiosques) em shoppings de altíssimo movimento, e depois de alguns meses saem ofertando a franquia país afora. Muita gente se fascina com a novidade, os resultados dos primeiros empreendimentos são sempre muito bons e acaba comprando a ideia. É oportunismo empresarial válido mas a maioria dos negócios não segue essa lógica.
O segundo ponto importante é que nem todos os negócios tem margem suficiente para acomodar mais um elo na cadeia: o franqueado. Grosseiramente falando, a unidade franqueada é como um ponto de venda seu. Ela deve ter margem suficiente para permitir ao franqueado recuperar o investimento feito. Normalmente, esse dinheiro remunera o investimento que o franqueador faria se a loja fosse dele. Então o que ganha o franqueador? ganha a taxa de franquia (uma vez só) e os tais 6% sobre faturamento. Seria um resultado relativamente pobre por si só. Mas se você considerar que é necessário montar uma equipe de apoio a este franqueado e que ele telefonará a qualquer hora do dia ou da noite para resolver todo e qualquer problema que surgir, os 6% evaporarão rapidamente.
Há duas saídas para isso. Se você produz o que vende, a primeira maneira é obter margem no fornecimento ao franqueado. É meio malandro porque não muda a lógica da rentabilidade da cadeia e adiciona imposto em cascata mas é uma maneira de contornar restrições legais e apurar uma margem melhor. A segunda maneira de ganhar dinheiro é indireta. Fornecedores de mercado oferecem descontos maiores por volume, existem verbas de marketing cooperado, bonificações e uma série de práticas comerciais entre fornecedores e clientes que só ocorrem quando se atinge um determinado porte (aqui medido por volume de compras). Então, obviamente, se você passa de 10 lojas próprias para 50 lojas entre próprias e franqueadas, existe beneficio na ponta da compra apropriado pelo franqueador.
Isso nos conduz ao terceiro ponto. Só faz sentido franquear o negócio se for para criar uma rede realmente grande. Ter meia dúzia de franqueados é uma dor de cabeça. Ter 60 franqueados traz vantagens porque dilui os custos adicionais acima mencionados, além de apropriar os ganhos de escala.
Franqueados não tem obrigação de resolver problemas com sistema fora do ar, mercadoria entregue fora do prazo, dificuldades logísticas com doca de shopping center, alterações fiscais, mudança na taxa cobrada pela administradora de cartão de crédito, etc. Ele também precisa ser treinado em todos os detalhes da operação. Tudo isso faz parte do treinamento usual de um gerente de loja mas o franqueador não é um gerente. Ele é um empresário com comportamento próprio. Enquanto um gerente procura resolver todos os problemas antes de acionar a estrutura corporativa, o franqueado se acha no direito de acionar a estrutura do franqueador por qualquer coisa. Sem entrar no mérito se isso é certo ou errado, o fato é que um comportamento humano esperável, e isso impõe pressão sobre o back-office da empresa.
Outro aspecto é que , como empresário, o franqueado tem a ambição normal de ser dono do próprio negócio, ou seja, de dar a ele seu toque pessoal. É difícil estabelecer os limites disso. Se o franqueador proibir qualquer iniciativa do franqueado, poderá desestimulá-lo (e não há nada pior do que uma loja sem gestão). Mas se deixar a coisa correr solta, poderá perder controle sobre o posicionamento e imagem do negócio, dois de seus principais ativos. Um dos fatores de seleção do franqueado é justamente a personalidade dele e a empatia que ele gera com o franqueador. Afinidades culturais, em suma.
Eu tentei implantar o modelo de crescimento via franquia para o negócio de confeitaria fina da minha família e desisti. Foram vários os motivos. Eu não tinha um modelo de negócios replicável. Doces finos precisam ser produzidos próximos da hora do consumo. O franqueado teria de produzir os próprios doces sem a nossa supervisão direta. O risco de ocorrer problemas era muito alto. O segundo motivo é que a margem não permitia remunerar adequadamente o franqueado. A terceira razão é que nós descobrimos que nosso negócio é de nicho e de serviços. Muitas pessoas entravam nas lojas perguntando sobre fornecimento para festas, alterações na decoração dos doces, mudanças nas embalagens de presentes, redução de preço para grandes encomendas, doces específicos para celebrações corporativas, etc. Eu percebi que nós apropriávamos margem muito maior voltando ao modelo convencional de ateliê de alta confeitaria, operando com baixo volume e alta margem, do que montando uma rede de lojas pelo país, tentando ganhar na escala e no produto padronizado. A escolha foi feliz e eu estou satisfeito por não ter ido adiante com a rede.
por Fabio Nogueira | jul 19, 2012 | Blog
A economia brasileira enfrenta o fim de um ciclo de crescimento baseado em crédito abundante, exportações crescentes e políticas assistencialistas. Infelizmente, o país não aproveitou sua década de prosperidade para investir no que certamente garantiria nossa prosperidade a longo prazo: educação, infra-estrutura e tecnologia. Agora, com o encerramento deste ciclo, a maior parte dos empresários se pergunta o que irá acontece com o mercado das classes C e D (que explodiu em anos recentes), com a venda de artigos de maior valor unitário (largamente dependente de crédito) e com o crescimento do consumo como um todo.
Muitos economistas buscam respostas a estas perguntas. Este blog caminha em outra direção e se pergunta quais são as tendências de consumo de longo prazo que se cristalizaram neste período e para as quais não existe nenhuma perspectiva de reversão. Em outras palavras, que oportunidades se abrem para o varejo, independentemente das oscilações econômicas de curto prazo.
Há um estudo atualizado anualmente pela empresa de pesquisa Macroplan, do Rio de Janeiro, que busca identificar estas tendências. A edição deste ano do estudo, disponível para consulta na internet, identifica 10 tendências que vieram para ficar. O texto a seguir incorpora comentários e análises da D.D Consultoria nas tendências originalmente mapeadas pela Macroplan.
- Consumo prático: Cerca de 12% dos domicílios brasileiros são habitados por uma única pessoa, praticamente o dobro do existente no ano 2000. O número absoluto de pessoas morando sozinhas tende a continuar aumentando nas próximas décadas. Porções individuais, elevada praticidade e serviços de conveniência são cada vez mais adequadas a esse segmento. Deve-se também esperar desse consumidor menos tempo de permanência no domicílio e mais vida social e esportiva
- Consumo +60: daqui menos de duas décadas o número de pessoas com mais de 60 anos terá passado dos atuais 20 milhões para 40 milhões de pessoas. Pessoas com mais idade tendem a consumir produtos alimentícios mais saudáveis, gastam mais com saúde, medicamentos e turismo, despendem bastante tempo com entretenimento e, na média, provavelmente viverão até os 80 anos. A infra-estrutura de loja precisa ser adaptada, evitando luzes, sons e espelhos em demasia, bem como escadas e objetos que interfiram na passagem. Se o chão de loja permitir, instalar banquinhos para breves períodos de descanso contribuirá para aumentar o tempo de permanência do consumidor na loja.
- Consumo exigente: à medida em que a sociedade brasileira vai amadurecendo, aumentam os requisitos por diversos atributos dos produtos consumidos, incluindo sua origem, atendimento a padrões mínimos de qualidade, atendimento à todas as exigências legais e normas técnicas, laudos independentes de performance, etc. Alguns desses atributos se estendem ao ponto de venda. Aumento de padrão de exigência é algo com que convivemos diariamente desde sempre. O importante é oferecer uma resposta rápida às exigências ou reclamações dos consumidores. Há uma parcela crescente do público que leva esses quesitos em consideração na hora de escolher o varejista
- Consumo responsável: sustentabilidade ainda é assunto restrito a uma parcela mais esclarecida e antenada do público consumidor. Mas o tema é importante e deverá ganhar cada vez mais relevância. Sustentabilidade é um daqueles assuntos onde o consumidor se torna consciente em função da própria movimentação dos fabricantes e varejistas, bem como da mídia. Seja por conta de maior educação do consumidor, seja para acompanhar as ações da concorrência, procure destacar atributos de sustentabilidade de seu negócio ou dos produtos que você vende. Pequenas ações, como instalar um sistema de iluminação econômica na loja, poderão impactar positivamente na imagem da empresa.
- Consumo saudável: é visível o aumento da preocupação com um padrão de vida saudável, que se reflete em diferentes hábitos de vida. Não só deve crescer a demanda por produtos com baixas calorias, gorduras, aditivos e conservantes industriais, como todo um modelo de vida outdoor deve ganhar corpo, explorando o clima favorável de boa parte do país e a inevitável troca do automóvel pela bicicleta.
- Consumo online: já bastante debatido, o consumo online continua crescendo a taxas de dois dígitos e agora se prepara para tirar proveito do celular e dos tablets. Conciliar o varejo online com o varejo offline é o grande desafio dos próximos anos.
- Consumo precoce: oitenta por cento das crianças brasileiras influenciam, em alguma extensão, as decisões de compra dos pais. Essa tendência é universal. Nos EUA, a publicidade dirigida à criança aumentou 170 vezes em 25 anos. As crianças procuram e tem acesso a um volume inimaginável de informação, formando opinião e gerando demanda em idades cada vez mais precoces. Não é incomum ver pais e mães, dentro das lojas, mudarem sua decisão de compra após escutarem os filhos. Varejistas que tem como público alvo adultos na faixa dos 30 a 40 anos com filhos pequenos a tiracolo devem ter em conta que a comunicação de ponto de venda e a publicidade precisarão atingir todo o núcleo familiar para serem eficazes.
- Consumo em nichos: segmentação de mercado é um conceito antigo de marketing e naturalmente praticado por todos os varejistas. A diferença agora é que diversos nichos específicos de consumidores, antigamente pequenos em tamanho ou de baixíssima visibilidade, ganharam expressão econômica. Aqui se incluem os nichos religiosos, sexuais e étnicos. E também os menos polêmicos nichos de apreciadores da natureza, ex-fumantes, migrantes, pessoas com sobre-peso, cultuadores de novelas, etc. O consumidor de nicho se sente valorizado e tende não apenas a gastar mais como reconhece valor no varejo especializado, permitindo ao varejista capturar esse valor na forma de margens de lucro mais altas. Uma sociedade que enriquece tende a gerar cada vez mais mercados de nicho.
- Consumo exclusivo: o mercado do luxo é específico e cheio de armadilhas. Não é nada fácil conquistar esse tipo de consumidor. Mas, mesmo aqui, há segmentos. O rico tradicional, de família antiga, tem um perfil de consumo bastante diferente do novo rico ou do rico de baixo grau de instrução. Seja como for, da mesma forma que se criou um mercado de classe média com pessoas que subiram na pirâmide social vindos das classes D e E, o segmento da Classe A também foi alimentado por pessoas que migraram da classe B. Esse movimento ascencional alimentou as aspirações pelo consumo de artigos mais sofisticados e o mercado do luxo vai muito bem no Brasil, sem sinais de que possa perder ímpeto nos próximos anos.
- Consumo de baixa renda: aqui temos o problema. Trinta milhões de pessoas subiram das classes D e E para as classes imediatamente superiores. Toda essa tropa entrou no mercado buscando tanto de bens de consumo imediato quanto bens duráveis. O crédito ajudou e as vendas de eletrodomésticos e automóveis, por exemplo, bateram recordes históricos. Quantos conseguirão manter seu novo perfil de consumo caso a recessão atual se aprofunde? Esse segmento de consumidores é extremamente heterogêneo. Inclui desde famílias cujos membros obtiveram melhores empregos graças à escassez de mão de obra até informais da periferia que prosperaram em seus micro-negócios. É completamente impossível avaliar, com um mínimo de precisão, o que acontecerá nos próximos 20 anos com este segmento de consumidores. Do pouco que se pode prever, é de se destacar o caráter utilitarista que as pessoas dão ao consumo (ou seja, privilegia-se a melhor relação custo-benefício), a atenção a casa (tanto o imóvel quanto os equipamentos domiciliares), melhoria nos cuidados pessoais e, principalmente, melhor alimentação. É um consumidor arredio também. Ao menor sinal de risco de perda de emprego ou queda de renda, preferirá adiar o consumo e guardar o dinheiro. Resta saber o que acontecerá com o tradicional carnê. A inadimplência vem aumentando fortemente no país, tornado os concessores de crédito muito seletivos. Curiosamente, os mais pobres costumam ser os menos caloteiros, já que restrições ao seu nome podem lhe causar prejuízos significativos. Ainda assim, o desemprego ceifa a renda e impede o cumprimento das obrigações. Ninguém sabe o tamanho do ajuste que este país precisará passar nos próximos anos, e nem se o governo atual deseja fazê-lo. Diz um velho ditado que é melhor um fim terrível que um terror sem fim. Esperemos que o nosso governo, em suas várias instâncias, pense da mesma forma.